quinta-feira, abril 10, 2014

Quotidiano Umbadista - A surpreendida



De postura e comportamento exemplares, uma senhora moradora do sobrado verde, passa todos os dias religiosamente no mesmo horário para ir à igreja evangélica.

É tida pelos vizinhos como a obreira mais fervorosa da região. E fazia por merecer, não abria mão da saia comprida e da bíblia embaixo do braço por onde ia.

Um simples bom – dia era motivo para uma sessão de evangelização. Falar em “macumba” para ela então era motivo para gritos de louvor e demonstração pública de discriminação religiosa.

Mas alheios às proibições da igreja, os filhos da distinta senhora, uma menina de dez anos e um menino de oito, não pensaram duas vezes para ir com seus amigos à festa de Cosme e Damião do terreiro que fica a um quarteirão dali.

Vale dizer que a festa de Cosme e Damião se tornou um evento em separado da Umbanda, e a distribuição de doces e bolos contribuem para que membros de outras religiões freqüentem os terreiros durante as festas sem que se sintam constrangidos.

Claro que não demorou a mãe dar pela falta de seus filhos, e logo descobriu seus paradeiros. Imediatamente foi ao terreiro, e mesmo hesitante adentrou ao salão que estava tomado de gente, repleto de balões e com o som dos atabaques regendo a festa.

Não pôde deixar de notar que os médiuns estavam todos incorporados com suas crianças e muito menos de sentir a vibração do local que lhe fazia suar as mãos.

A senhora caminhou até seus filhos que estavam próximos aos Cósminhos e um deles segurou sua mão, mas antes que ela a soltasse, uma força enorme e assustadora tomou seu corpo fraquejando suas pernas e fazendo-lhe cair. Os Cósminhos aplaudiram e daí em diante pode-se imaginar o resto.

Abaladíssima, após a desincorporação a senhora pegou seus filhos e as pressas deixou o terreiro a não foi mais vista por ali.

Pode ter achado que um espírito ruim tenha tomado seu corpo e correu para a igreja.

Mas os que ali estavam durante a festa, garantem que aquela senhora daria uma médium daquelas que não se vê em toda casa tamanha foi à firmeza e entrega à entidade.

Quem sabe àquela senhora, em casa, tenha parado por um momento e pensado no que aconteceu. E isso a faça ao menos mudar sua visão em relação a Umbanda.

Meu Axé a todos. Salve a Umbanda!                         31 / 08 / 2002


 
O Jornal Tambor foi uma das publicações direcionadas à religiões afro-descendentes mais importantes no início dos anos 2000. Criado e idealizado pela Yalorixá Sandra Epega o jornal sempre pregou pelo diálogo inter-religioso, cultura de paz e sempre deu espaço para todos as tradições religiosas.
Nosso irmão e colaborador do blog, Thiago Sá foi colunista do jornal por quase três anos e sua coluna, Quotidiano Umbandista descrevia situações corriqueiras ao dia a dia dos templos umbandistas. Sempre descritas como ficção.
O blog Aldeia do Sultão acha pertinente trazer de volta alguns do textos publicados ao invés de deixa-los guardados num arquivo de computador ou numa gaveta.

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